30 de março de 2018

Ser lgbt+ implica não ser humano?

O que me motivou a escrever este texto foi a imagem seguinte:

Há variações: Algumas dizem "person" em vez de "human", juntam "gay" e "lésbica" em "homossexual" e muitas acrescentam a opção "trans". 
Essa imagem é extremamente [popular] e amada, tanto por aliados como por pessoas lgbt+. Eu odeio.

É claro que eu entendo o que significa: que aquilo que importa é o fator que temos em comum, o facto de sermos todos humanos, e portanto devemos ser respeitados. Mas isso por si só é uma noção que me incomoda, pois aquilo que verdadeiramente me transmite é que não tem problema em desrespeitar quem não tem nada em comum connosco e, acima de tudo, que género e sexualidade podem ser ignorados. Quando alguém me diz que "Não importa se és hétero, lésbica ou bi, o que interessa é que somos todos pessoas", eu sei que a pessoa tem boas intenções e que está a tentar dizer que "ainda me ama", mas eu nunca questionei isso (i mean, seria irresponsável expor-me a uma pessoa que eu suspeitava ser lgbtfóbica), e aquilo que oiço é que a parte de mim sobre a qual acabei de contar não importa. O que é... uma coisa um bocado insensível de se dizer? Eu sinceramente acharia isso mesmo que não não tivesse nada a ver com questões lgbt+. Dizer que certas caraterísticas de alguém, uma parte das pessoas, pode ser desprezada/abafada/ignorada é simplesmente triste. Mas dizer isso sobre uma parte de alguém que colocou os seus direitos em causa é ainda pior. Eeee saber que há pessoas que ficam felizes quando ouvem isso deixa-me ainda mais chocada, porque ou essa pessoa não aprendeu a fazer análise de texto, ou deve ter tido uma vida digna de pena para ficar grata por silenciarem uma parte de quem é. Então, mesmo que a parte seguinte deste meu texto não existisse, a minha ética já me impediria de gostar dessa imagem.

Mas aquilo que me revolta mais na *dita cuja* é o facto de que - pasmem, mesmo com uma check box em vez de uma combo box (ou seja, podendo-se marcar mais do que uma opção)! - sexualidade, género e ser-se humano são tratados como fatores exclusionários. Bah, sei lá, porquê que não se podia marcar mais que uma opção? Hint: pode-se, mas quem fez a imagem achou que a mensagem seria mais significativa assim e for some reason a internet não viu problema nenhum. Eu tenho vontade de imprimir uma t-shirt com três caixinhas marcadas (sim, três, porque pessoas trans também têm uma orientação, yay!). E se alguma vez me obrigassem a escolher só uma opção entre elas, eu juro que NÃO escolheria "person/human", até porque não são só os seres humanos que são dignos de respeito.

Também me parece uma tentativa de dizer que labels não importam, mas labels são só ferramentas. Pessoas cis-het são incapazes de compreender a sua importância porque nunca precisaram de um termo para procurar informação sobre si mesmas na internet, pois sendo o default, essa informação e representatividade está em todo o lado. Claro que nem todas as pessoas lgbt+ precisam de uma palavra para encontrarem representações de pessoas como elas, mas a maioria precisa, e é empoderador encontrar uma comunidade e informação que nos ajuda na vida e mostra que não estamos sozinhos. Porquê tirar a alguém o termo que lhe permitiu alcançar isso? Sinto que a razão é a mesma que me levou a fazer o [meu segundo coming-out] como pessoa não-binária, textinho que atualizei entretanto porque me tinha esquecido de alguns comentários relevantes. Não sei qual é, mas vem do mesmo lugar que motiva as pessoas a perguntar "Porquê que tu dizes que és bi? Eu não ando por aí a dizer que sou hétero!". *facepalm*

Por último, e embora este seja um probleminha menor, essa imagem faz pouco sentido. As opções são uma salgalhada completa. Perguntar "O que és?" e dar as opções "Hétero, Homo, Bi, Trans, Pessoa" (pobrezinhos assexuais, arromânticos *e pessoas cis* que foram excluídas) é como perguntar "Qual é a tua fruta preferida?" e dar as opções "Banana, Maçã, Laranja, Alface e Azul". Explicando: O azul é equivalente à opção pessoa, e claramente não está a fazer ali nada - se bem que, fazendo o paralelo, sempre consigo imaginar por qual razão é que as pessoas marcam essa hipótese: tem sempre piada trollar questionários (por favor digam-me que a razão é essa!). E quanto a quem notou o alface, sim, também não faz sentido estar aí apesar de ser algo razoavelmente próximo de uma fruta, e é equivalente à opção trans que, como já disse, não tem nada a ver com sexualidade - lá porque em Portugal ainda se insiste em dizer transsexual, ser transGÉNERO tem a ver com o próprio género, não com os géneros dos quais se gosta). E quem gosta de frutas que não estão na lista, o quê que faz?

OBS: a imagem que mostrei, para mim, é completamente diferente da que está em baixo, que ao menos já faz sentido: