26 de agosto de 2018

Mensagem para uma pessoa da praxe

Ok, eu estou a falar contigo porque tu és uma pessoa que adora (assumo que ainda adores) a praxe, mas também és das mais razoáveis a falar sobre o assunto. É que há coisas sobre a praxe que me ultrapassam um bocado e gostava de saber a tua opinião sobre se isto que vou dizer são ideias que considerarias.

Eu nunca tive problemas com a praxe em si - ainda por cima considerando que as praxes são diferentes e mesmo as regras mudam de praxe para praxe. Não sei o suficiente para não generalizar, mas sei que essas diferenças podem chegar ao ponto de não deixar que as pessoas bebam enquanto estão em praxe, porque os doutores sentem-se responsáveis pelo que poderia acontecer aos outros alunos. Mas eu tenho problemas com os valores de algumas pessoas da praxe, e com a forma como esses valores OU são a maioria e portanto a praxe rege-se por eles, OU, se não são, as pessoas que prestam lá no meio fecham os olhos aos problemas - o que me faz parecer que afinal não podem ser assim tão conscientes.

E eu não estou a falar do espírito de união da praxe, nem da questão toda da humilhação, porque eu sei que isso é tudo um bocado para criar solidariedade e reforçar a tal união entre as pessoas. Aliás, até acho que isso podia ser utilizado para precisamente fazer algumas das coisas em que às vezes penso. Por exemplo, eu lembro-me que uma vez vi na televisão uma praxe qualquer a plantar árvores juntamente com outras pessoas. Isso lembrou-me que a praxe podia estar mais envolvida em contribuir para a sociedade. Queriam castigar alguém? Porque não por a pessoa a cumprir algum dever tipo ajudar nas recolhas do lixo? Queriam gritar? Porque não ir gritar para manifestações? Queriam competir com outras faculdades? Porque não competir com base na quantidade de projetos "éticos", digamos assim", em que participaram? Queriam fazer figuras tristes? Porque não tentar angariar dinheiro com isso para levar a associações? E isso não seria nenhum obstáculo às coisas que a praxe já faz na faculdade, os castigos típicos e assim, seriam apenas coisas para fazer depois das aulas ou quando se falta às aulas.

Há ainda coisas na praxe que me causam rejeição completa, como um nível de sexismo mesmo tóxico. Por exemplo, quando a insultar outras praxes insultam as mães das pessoas, em vez de insultarem as pessoas em si. A maneira como falam nem sei porquê em comer gajas e assiim. O facto de as raparigas não poderem ficar juntas quando as pessoas estão alinhadas, embora eu saiba que isso é coisa da nossa praxe - i mean, se impedissem pretos de estar juntos iria parecer mt racista, mas separar as mulheres já não tem problema? E sinceramente, eu nunca poderia fazer parte da praxe, mesmo que na prática até participassem em atividades como as que eu disse acima, se isso fosse só para ficar bem na fotografia mas no fundo continuassem com ideias mesmo discriminatórias. Principalmente considerando que algumas coisas me afetam diretamente, como o sexismo, a transfobia e a homo/bifobia. 

Tu sabes que eu sou bi, portanto percebes o porquê disso e deves perceber porquê que eu não me voluntaria para estar com gente que já demonstrou ter algumas ideias de merda - e sim, eu sei que há exceções dentro da praxe, é claro. Também sei que há pessoas que dizem as coisas a gozar, embora eu não consiga ver a piada de gozar com coisas que no dia a dia têm um impacto real na vida das pessoas. Quanto ao sexismo, eu de certa forma já expliquei o problema, mas eu na verdade nem me identifico totalmente como mulher e daí falar em transfobia. Eu sou uma pessoa não-binária, ou seja, nem homem nem mulher. Não, não estou a falar de ser intersexo, género e sexo não têm necessariamente de coincidir, como deves saber. Eu estou literalmente a dizer que sou aquilo que muita gente na praxe acharia comparável a uma árvore, a uma mesa, e merdas assim que não são géneros mas somehow algumas pessoas parecem achar que tem tudo a ver. Ir para a praxe iria obrigar-me a escolher entre ser vista como rapariga e depois até usar o fato das raparigas - e a sério, eu seria incapaz de usar aquela merda de saia e de sapatos - ou tentar confiar nas pessoas, dizer que era não binária, e arriscar-me a que as pessoas não compreendessem, continuassem a por-me no saco das raparigas até porque a praxe não tem um funcionamento que permita a existência de pessoas não-binárias, e ainda me rendesse piadinhas como a "did you just assumed my gender?" e com um bocado de sorte ganhar um nome de praxe com base nisso. Que é uma coisa que me afeta demasiado para eu achar a mínima piadinha. Eu sinceramente sinto que não existo. E do ponto de vista lega, isso é mesmo verdade. Mas mesmo que a praxenão pudesse ajudar em tudo, pelo menos podia fazer com que pessoas como eu não se sentissem pior, já que algumas dessas coisas não eram difíceis de resolver. Por exemplo, toda a gente podia escolher que fato usar, se queria o conjunto com a saia ou o outro, independentemente do seu género ou sexo - ou seja, isso não beneficiaria só pessoas não-binárias, mas também pessoas trans, mulheres cis (ou seja, não-trans) que não quisessem usar saia e homens cis que poderiam se calhar querer experimentar usar, embora eu imagine que não fossem haver muitos a querê-lo. Mas como no fundo no fundo a maioria das pessoas da praxe ainda é sexista e lgbtfóbica como a porra, se calhar mesmo que algumas pessoas suportassem coisas dessas, não iriam para a frente. 

Pronto, é isso, diz o que pensas. Demora o teu tempo a responder, mas se não fores dizer nada, avisa-me para eu não ficar à espera.