31 de maio de 2018

O momento em que o muro cai (arfid related)

Eu adoro o momento em que as minhas muralhas mentais caem. Lembro-me quando descobri que era bi lendo a palavra num blog de outra pessoa que também o era, e ressonou tanto comigo, que foi como se... sei lá, como se o mundo à minha volta mudasse. Ou como se tivesse começado a ver cores. Como se tivesse encontrado uma tábua de salvação. Sinto-me hesitante em proferir essa ultima metáfora, mas a razão pela qual me sinto assim é precisamente a mesma pela qual a metáfora se aplica. Porque enquanto o mundo não cai, eu consigo mentir a mim mesma ao ponto de me considerar "normal" - no sentido de comum. Eu já por várias vezes tentei descrever a forma como a representatividade é importante para mim porque me permite conhecer-me melhor e ser mais autêntica e honesta COMIGO MESMA, porque me faz perceber que x maneira de ser é possível. Nomes? São importantes porque me fazem perceber porque há gente como eu em número suficiente para ser classificada. É uma salvação para mim, porque paro de me mentir. Damn, se eu nunca tivesse visto a palavra bi e se nunca tivesse visto No.6, ainda tenho medo de continuar convencida de que só gostava de homens e que era uma mulher cis, por 247389711 razões.

No momento em que estou a escrever isto, ainda estou simultanemanente em choque e aliviada por descobrir... que tenho uma eating disorder. ARFID - avoidance/restrictivefood intake disorder. Quase choro ao encontrar uma comunidade de pessoas que tem problemas praticamente iguais aos meus e que sabe como os julgamentos das pessoas tornam tudo pior. Há tanta coisa na minha cabeça no momento que nem me vou dar ao trabalho de escrever algo coerente, vou só listá-las para desabafar e conseguir materializar de uma vez aquilo que já percebi que tenho. 

Eu detestava que a minha mãe sugerisse que eu podia ter uma eating disorder porque eu achava que isso se relacionava com body image e com querer perder peso, o que definitivamente não era o meu caso, e detestava ainda mais porque sabia que o conhecimento da minha mãe e de todas as pessoas que conheço - inclusivamente de vários médicos! - só ia até aí e que só levaria a tentar combater um problema que eu NÃO tinha, desviando ainda mais a atenção do problema real.

A maioria das fontes que encontro diz que ARFID se prende com a comida em si e com uma restrição na comida que uma pessoa consegue ingerir, mas já encontrei pessoas com arfid que afirmam que pode tomar outras formas, como as que eu tenho predominantemente: comer pouco e extremamente devagar. 

Eu tb sou picky com a comida, though: Decididamente não tenho problemas com a cor da comida nem com o sabor. Mas tenho problemas menores com o cheiro, tenho alguns problemas com a forma (essa é literalemnte a razão pela qual eu não consigo comer arroz vaporizado, é demasiado redondinho, grande e perfeitinho em comparação com aquele arroz mole que eu como bem), e creio que o o que eu chamo de "problema da consistência da comida" é o que toda a gente chama de problemas com a textura. 

E definitivamente esse é o maior problema, ao ponto de eu comer bem coisas inconsistentes. Irónico como a tradução de mushy tanto pode ser "mole" como "sem-consistência", porque enquanto que eu considero coisas moles - que para mim é sinónimo de fofas - um problema, coisas sem consistência são aquilo que eu como melhor. Bolos VS pão de hamburger? Eu tenho começado a evitar bolos (bolos vegan são uma exceção que descobri recentemente e agora não quero mais nenhum!), contudo na faculdade almoço sempre pão de hamburger com alguma coisa. E tenho descoberto que pão é algo que a maioria das pessoas com arfid come razoavelmente bem, e eu definitivamente estou entre elas. Mesmo assim, há pão que eu não consigo comer, pão que consigo comer, e pão que só consigo comer se estiver torrado.

Há tantas nuances, e parecem todas tão random - parece que n há um critério exato para aquilo que consigo comer e aquilo que não - que até hoje eu julgava que era loucura, e tentava abafar o meu problema, minimizar o quão difícil para mim é comer, quase dar razão as pessoas que me julgam. É por isso em que o momento em que o muro cai é importante para mim, porque percebo que não estou louca por achar que sou quem sou ou que tenho x questão com qual lidar, e posso parar de negar que tenho de lidar com essas coisas.  Também tenho uma RAZÃO MÉDICA TM que posso apresentar para recusar ter de comer junto de outras pessoas sem parecer que estou apenas a ser rude ou a tentar arranjar desculpas para não estar com elas.

Eu nem sei se arfid é reconhecida em Portugal e não sei se quero contar à minha mãe nem à bea que tenho isto, porque isso para elas vai ser "prova" de que está tudo na minha cabeça e que portanto se eu não consigo ultrapassar, é porque não quero. Nevermind que eu deixei de conseguir comer algumas das minhas antigas comidas favoritas... Viver com pessoas que acham que problemas mentais são bullshit e uma desculpa dá nisto. Eu acho que no fundo sabia que isto estava na minha cabeça - a sensação de engasgo ou de que a comida embolava na boca ou de que por mais que mastigasse não ia conseguir engolir e entretanto ia começar tudo a ficar colado ao céu da boca - e por isso é que não queria ir fazer exames à tiróide, ao estômago ou afins. Porque era pointlesse e não se ia encontrar nada. Também são dificuldades que acabei de reparar que são partilhadas por praticamente toda a gente que tem arfid.

Arfid costuma desenvolver-se em criança ou adolescente, e no meu caso foi em adolescente. Eu não sei exatamente quando é que o problema começou, mas sei que aos 15 anos já o tinha, porue lembro-me de quando o meu primeiro namorado vinha almoçar cá a casa eu lhe dava uma seca tão grande que eu acabava por desistir de comer tudo. Também sei que, pelo menos até aos 12 anos, eu comia extremamente bem - comia um prato cheio super depressa e ainda repetia. 

Muitas pessoas dizem que a melhor "solução" para conseguirem comer melhor é tentarem introduzir novos alimentos, formas de preparar a comida ou simplesmente comer SOZINHAS. E eu apercebi-me à cerca de uma semana precisamente que, quando estou sozinha, eu consigo quase sempre comer tudo o que tenho no prato (diria que o meu caso de arfid não é de nem de perto tão grave como o que a maioria das pessoas tem, e se calhar também foi por isso que eu mentia a mim mesma em relação a não ter nada com tanto sucesso). Demoro umas duas horas - sem exagero - mas consigo. E eu sei, porque há cerca de uns dois meses comecei um habit tracker e uma das coisas que eu comecei a apontar foi quando é que eu conseguia comer tudo pelo menos uma vez por dia (almoço ou jantar). E as vezes em que conseguia foram vezes em que estava a comer na cozinha sem ninguém há minha volta. Em grande parte, por não sentir pressão para não ser lenta. 

Em menos de meia hora, encontrei montes de coisas em comum com pessoas que têm arfid e estou bastante certa de que tenho o mesmo problema que elas, bless tumblr. São pessoas que sabem como é chato ter de recusar saídas ou estar com pessoas para não ter de comer com elas, sabem como é chato ter de arranjar qualquer coisa pa justificar o facto de que comes sempre a mesma porcaria, sabem como é chato quando as pessoas pegam contigo por estares a comer coisas "pouco saudáveis", mesmo quando é a brincar, porque não sabem que quem te dera a ti conseguir comer algo menos balofo e variado de vez em quando. E sabem como é o medo de algum dia não te deixarem comer aquilo que tu sabes que consegues...

Num [vídeo], uma pessoa com arfid disse que uma vez a mãe a queria obrigar a comer certas coisas e disse a essa pessoa que a ia proibir de comer aquilo que ela sabia que conseguia comer durante uma semana. A pessoa simplesmente olhou para a mãe e disse que, se ela fizesse isso, ela ia morrer de fome. A pessoa deixou claro a seguir que estava a ser 100% séria, mas mesmo antes de ela dizer, eu já sabia que estava. Eu já disse coisas semelhantes à minha mãe. Se em algum momento eu sinto que só consigo comer certas coisas e não as puder comer, não como mais nada. Se não houverem outras opções ou se me restringirem o acesso a elas, bem fico com fome. E a parte mais fucked up é eu sentir-me aliviada por saber que esse meu medo é real e não só algo que a minha subconsciência imaginava...