A minha mãe acabou de me sugerir que levassemos cartazes matching para a marcha lgbt+ do Porto, a dizer "Orgulho-me da minha mãe" e "Orgulho-me da minha filha". A ideia é linda e realmente reforça o facto de que tenho o apoio dela, o que não devia ter nada de especial mas ainda tem, dada a quantidade de gente que tem pais que rejeitam os filhos de alguma forma pelo que são. Mas no nosso caso, eu não acho que os cartazes sejam adequados e não sei como lhe dizer isso. Há 3 razões: a primeira é uma razão menor e só uma implicação com o número de significados da palavra orgulho neste contexto, a segunda até me fez chorar quando a escrevi nas morning pages, e a terceira estou demasiado cansade para elaborar muito porque não me parece haver solução possível para a contornar.
1) Dizer que me orgulho da minha mãe pode passar a ideia de que ela é mais do que uma aliada. E eu não acho que ela se importasse em ser vista como lgbt+... mas, por um lado, apaga o facto de que há mesmo relações em que tanto os pais como os filhos são lgbt+ e, por outro, não acho justo pessoas cis-het se apropriarem das experiências de pessoas lgbt+ só quando lhes apetece e estão num contexto em que "é fixe" ser visto como tal, como é o caso da marcha.
2) Não é verdade que me orgulhe dela neste aspeto. Orgulho-me dela em mts coisas - especialmente pela sua força e pela maneira como luta à sua maneira contra as noções completamente falsas que outras pessoas têm dela - mas não da maneira como lida com uestões lgbt+. Na verdade, ela já lida com essas coisas muito bem, compreende mais do que eu alguma vez esperaria que ela compreendesse após a reação inicial, e não positiva, que teve ao meu comingo out, e a maneira como ela encara tudo como radical (mesmo quando afirma que é natural, nota-se que há algo nela que ainda diz isso com demasiada intensidade) tem a ver com a personalidade dela, que transmite sempre demasiada emoção com tudo: até a elogiar os meus desenhos ela faz um filme que parece que está em choque, em comparação com a reação de todas as outras pessoas xD Então no fundo, no fundo, quase já não há problema nenhum. O problema acaba por ser eu, que tinha esperado demasiado dela e tive as minhas expectativas arrasadas quando ela soube que eu era bi, de tal maneira que isso afetou completamente a maneira como eu interagia com ela. Desde essa altura, sinto que nunca mais consegui falar com ela da mesma maneira, nem transmitir a minha perspetiva... porque eu simplesmente nao consigo falar. Ela própria parece tentar trazer os temas à baila e seriam a situação perfeita para eu poder acrescentar as minhas opiniões ou conhecimento, mas parece sempre que tenho alguma coisa entalada na garganta e nunca acrescento nada, e se o fizer, vai ser porque já não consigo acumular mais nada e vou explodir e deixar toda a gente chateada. O meu coming out criou uma barreira entre nós, de que ironicamente ela nem parece aperceber-se, mas para mim é impossível de ultrapassar. E eu podia até fazer o esforço de recuperar o que tinha mas... sicneramente, eu nunca vou concordar em que se espere mais esforço da pessoa que foi magoada do que da pessoa que magoou - mesmo que ambas lamentem o que que perdeu - e portanto não acho correto abrir uma exceção para mim. Ou o tempo cura isso, ou esta barreira fica para sempre. Não sou eu que tenho de fazer o trabalho de casa de a quebrar. E não consigo ter orgulho de uma pessoa que me deixou assim...
3) Eu não sou filha, nem filho. E como não há linguagem nenhuma em português capaz de captar que sou não-binárie, a não ser coisas inventadas e alvo de chacota, prefiro ao menos omitir que se confirme as mentiras que outras pessoas pensam de mim - no caso, a ideia de que sou rapariga.
E com isto estou a considerar nem ir à marcha. É uma coisa linda, e este ano seria particularmente especial: fazem 50 anos desde os Stonewall Riots, que começou o movimento lgbt+ atual, e iria com mais amigos, fora que é o ano em que acabei a faculdade e era fixe celebrar nesse sentido também. Mas estou demasiado esgotade, a deprimir até, e estar no meio de tanta confusão, com pessoas que só estão lá pela festa mas que não percebem nada da maioria das identidades lgbt+, e não estar realmente a ser viste como pessoa não-binária num evento em que é suposto assumirmos e mostramos e sermos nós próprios... derrota um bocado os aspetos positivos. E começo a recear que vou sair de lá pior do que fui. Eu sei que, se não for, me vou arrepender, porque vou perder muita coisa. Mas acho mesmo que, indo, me vou arrepender também. Não acho que tenha ainda encontrado aquilo que quero, e preciso, e estou a começar a abrir mão das coisas que não valem 100% a pena. Também acho que tenho demasiadas coisas a resolver comigo para poder assumir o que quer que seja, a única coisa que eu mostraria era uma rapariga, e felicidade falsa.
Só me falta ver os dois ultimos eps de supergirl e a Alex disse que chorou ao vê-los. Eu achava que não ia chorar, mas neste estado é provável...