Eu nem sei o que estou a escrever. Em parte, o que me inspirou a escrever isto foram os batdramas [www]. Eu sempre gostei de poder despejar os meus pensamentos e sentimentos em algum lugar, normalmente na internet, mas quando sinto que tenho coisas muito depressivas para dizer, não tenho coragem de as publicar nos meus blogs. Eu encaro-me como uma pessoa positiva, uma pessoa feliz. Então... acho que quando tenho de enfrentar que uma parte de mim it's a complete mess, eu fujo. Não quero publicar isto sem ser em anónimo, porque me faria ter consciência de que sim, sou eu. E faria com que pessoas que se importam comigo - pessoas que nem de Portugal são, são de outro continente, Brasil - achassem que eu estou a morrer por dentro. O que não considero estar. Apenas cansada...
Considerei em escrever estas coisas no meu diário - porque gosto de diários, e porque já os usei muitas vezes para desabafar. Mas em parte, eu quero tornar este meu lado negro - ironia escrever isto quando estou de férias e o sol morno e relaxante está a entrar pelo meu apartamento - numa enorme fanfic. Em que talvez eu - vamos chamar-me A - vá ter uma vida num universo paralelo. Um que realmente aceita pessoas lgbt+, pessoas negras e poc, com deficiências, com neurodivergências, com qualquer ou nenhuma religião, gordas... Ou que pareça saído de uma webcomic. E seria uma pena não publicar isso, certo? Mas os episódios saíram provavelmente por uma ordem completamente aleatória. Se calhar até escreverei versões alternativas para o mesmo evento - afinal, essa é a única maneira de eu publicar alguma fic, otherwise eu acabo por reescrever as fics originais que amo mas que acho que nunca estão boas o suficiente para publicar. Isto porque, ei, nos 2 anos que demoro a escrever 300 páginas, uma parte de mim amadurece e já não consegue achar aceitável as coisas que eu escrevi. Nem é pela parte técnica, que não evolui muito. É mesmo pelos meus valores.
Os meus valores já foram tão atropelados que acredito que esse é parte do motivo pelo qual o meu interior ficou tão bagunçado. Explicando: Desde que me descobri bissexual - mas neste momento considero, embora ainda sem admitir, que sou greysexual bi/panromântica - que a minha visão de hétero e de pessoa priveligiada e hipócrita foi por água abaixo. Eu achava coisas como:
- Eu não tinha preconceito com "casais gays", mas ninguém era obrigado a vê-los (obrigada, No.6, por me mudares)
- Já não havia racismo em Portugal
- Pessoas com deficiências eram inspiradoras
- Feministas são chatas
- Pessoas gordas deviam realmente ter um estilo de vida mais ativo
- Nem sabia que bissexualidade existia
- Acreditava em todos os estereótipos sobre o Islão
- Já não havia racismo em Portugal
- Pessoas com deficiências eram inspiradoras
- Feministas são chatas
- Pessoas gordas deviam realmente ter um estilo de vida mais ativo
- Nem sabia que bissexualidade existia
- Acreditava em todos os estereótipos sobre o Islão
(eu escrevi um post sobre feminismo aqui [www], e sinceramente eu já fui parte desse feminismo mente fechada)
E é engraçado porque desde que ingressei no ativismo, a minha mente não tem tido paz. Construo uma série de noções sobre orientações sexuais/românticas? Aprendo algo que mostra que a base que eu usava para sustentar essas noções está toda errada. Aprendo algo sobre identidade de género? Na semana a seguir descubro algo que deita abaixo tudo o que julgava saber. E sinceramente, eu acho isso lindo. Acho lindo descobrir o quanto o ser humano e as suas experiências podem ser complexas, acho lindo deixar de ser hipócrita e passar a compreender o outro, em vez de apenas eu própria, acho lindo ser impossível saber tudo, acho lindo ter superado aquela fase em que uma pessoa bem intencionada reage defensivamente quando criticam os seus preconceitos, e acho lindo ter vencido os limites que a sociedade impôs à minha visão do mundo. É incrível sentir que não sei nada, porque é uma lição de humildade e me obriga a reconhecer que nunca, de maneira alguma, terei o direito de julgar os outros.
Mas ao mesmo tempo, dói para caralho.
Dó quando eu já não consigo assistir televisão - que nunca foi a minha coisa favorita, mas pelo menos conseguia ver filmes, ler livros, ver animes, uma ou outra série... sem uma parte de mim latejar com o quão problemática certa cena é. Ou sem me sentir abafada, invisibilizada, sufocada, por nunca me ver representada, por nunca ver certas minorias lá, e por, quando vejo, serem um monte de estereótipos ambulantes.
Dói quando oiço uma piada que antigamente (e isto foi só há dois anos!) acharia hilariante, mas que agora considero ofensiva. Mais ainda quando vem de uma pessoa que tenho em alta conta, e com quem tento ter uma conversa explicando onde reside o problema, mas a pessoa reage com aquela atitude defensiva e privilegiada de "tu pensas que eu sou preconceituoso????". Uma atitude que considero ridícula e injusta, pois descentraliza a atenção da dor da vítima e passa a focá-la na dor do opressor, e isso é péssimo, porque as vítimas por norma já não são ouvidas. Mas compreendo, porque já fiz igual.
Dói quando coisas que já considerei feministas da parte da minha mãe se apresentam agora como uma mistura contraditória entre femismo e machismo, e acima de tudo quando, mesmo apesar de ela saber que a filha é bi, não faz nada para se informar ou para perceber porquê que as expressões que usam magoam. Até o meu pai, de quem eu não esperava nada de especial, reagiu muito melhor.
Se eu acho que estou acima dessas pessoas? No way dude, eu cometi os mesmos erros durante séculos. Também não acho que hajam pessoas melhores que outras, embora eu ache que o meio não é fator determinante na atitude das pessoas e que a essência delas influencia a sua receptividade ao meio e à cultura e aos ideais bons e maus (se é que isso existe).
Mas acho que há um caminho, e que se deve reconhecer que as pessoas se encontram em pontos distintos dele.
Nem é realmente um caminho. Os caminhos somos nós que os criamos, de certa forma, enquanto outros são oferecidos pela sociedade. O que há de facto é um ponto de partida (simbolizando pessoas menos respeitadoras e mente aberta e essa coisa toda) e um ponto de chegada (simbolizando quem já aprendeu a validar as diferentes identidades das pessoas). E um grande espaço vazio entre eles. Considerando isso, acho que não há pessoas boas e más - até porque uma pessoa é constituída por tanta coisa que fica impossível dizer onde está o limite entre ser bom e ser mau - mas sim pessoas que:
- Nunca saíram do ponto inicial porque estão demasiado confortáveis lá, ou porque não sabem que há um ponto de chegada (a ignorância consegue cegar as pessoas e impedi-las de saber que têm muito a aprender. Tu não podes aprender algo que não sabes que está disponível para aprender. Tu não podes corrigir os teus erros se não sabes que estás a errar). Também há quem não saia daí porque lhe disseram que isso era o correto a fazer, e acreditaram.
- Tomaram o caminho apontado pela sociedade para chegar ao outro ponto, o mais longo e que durante uma vida inteira pouco as afastará do ponto de partida, sendo mais confortável por isso e porque faz bem ao ego, já que assim as pessoas que o percorrem não podem ser acusadas de ter mais intenções e de se deixarem ficar no ponto inicial.
- Seguiram firme por um caminho, mas infelizmente esse caminho não vai dar ao ponto de chegada. E custa, naturalmente, reconhecer que se enganaram no caminho e ter de voltar ao ponto inicial, porque isso implica fazer um mesmo percurso que se calhar até já as cansou no sentido contrário, e depois AINDA ter de percorrer o caminho certo. É o que acontece a muites feministas.
- Sem saber como, quando deram por si já estavam a meio do caminho, e terão uma jornada fácil até ao fim - se quiserem. Se não, dão-se por satisfeitas estando mais avançadas que a maioria das pessoas, e acham que não vale a pena percorrer o resto. "Ah, não sou tão homofóbico/racista/whatever como a minha avó, sou mesmo boa pessoa". Acham que tudo está bem como está e não lutam por evoluir mais, quando se calhar teriam mais facilidade do que a maioria das pessoas. Essa é atitude de muitos adolescentes. Também conhecida como porreirismo.
- Tomaram o caminho errado mas descobriram isso numa fase que lhes permitiu não ter de fazer o percurso todo para trás, e sim cortar diretamente para o caminho certo. Talvez possam ter perdido certos ensinamentos que quem fez o caminho certo completo adquiriu, mas safam-se e chegam ao ponto final, então tá valendo.
- Demoram muito a chegar ao ponto final porque se decidem a só terminar a caminhada quando tiverem visto os caminhos todos. Não ajudam exatamente o mundo a tornar-se um lugar melhor, a não ser quando já é bem tarde, mas pelo menos aproximam-se e tornam-se pessoas muito enriquecidas.
- Parecem baratas tontas e andam perdidas, passando por todos os caminhos e tropeçando muitas vezes, e que chegam ao ponto final sem saber como o fizeram e com vários lapsos. Algumas dar-se-ão ao trabalho de voltar atrás para fazer o caminho em condições, outras deixar-se-ão ficar no ponto de chegada e tentar aprender o que perderam com quem já lá está.
- Percorrem o caminho correto, da forma certa, sem grandes erros. Gente rara e que dá inveja. Mas se se esforçaram por isso, merecem bem ter o seu mérito reconhecido.
E há ainda que lembrar que algumas pessoas não têm escolha a não ser percorrer esse caminho, porque são ameaçadas pela ignorância, e aprendem as coisas nem que seja à força. Minorias. Mas algumas também se enganam no caminho, ou só fazem a parte do caminho que diz respeito a si próprias, ou tentam integrar-se nos grupos das maiorias e ir pelos caminhos delas e absorver as noções delas. É assim que surge preconceito interiorizado.
Eu era para escrever algo mais centrado em mim, mas bah. Fica para outra altura. É uma pena, porque ao escrever algo tão genérico dá vontade de publicar sem ser em anónimo. Pode ser que eu copie essa metáfora dos caminhos para outra página qualquer...